Tuesday, November 15, 2005

Leningrado, cidade-mártir

Leningrado, que se chamava São Petersburgo, que se chamou Petrogrado e que voltou a se chamar São Petersburgo, é uma das cidades mais lindas do mundo. No século passado, por várias vezes teve a sua designação alterada, sempre por motivações políticas. Fundada pelo czar Pedro I* em 27 de Maio de 1703, recebeu o nome de São Petersburgo, em homenagem ao padroeiro da cidade. Com a revolução de 1917, passou a se designar Petrogrado e, em 1924, com a morte de Lênin, Leningrado. Em 1991, um referendo devolveu-lhe o seu nome original.
Ao construir a sua capital no delta do Rio Neva, no âmbito da guerra que expulsou os suecos do território russo (1700-1721), Pedro I pretendeu garantir a segurança das terras reconquistadas e, ao mesmo tempo, “abrir uma janela para a Europa”, estreitando relações comerciais e culturais com os países ocidentais. Para a sua edificação, foram convidados os mais renomados arquitetos, engenheiros, pintores e escultores da Europa, que construíram uma cidade única, com grandes avenidas, luxuosos palácios e soberbas catedrais. Erguida sobre 40 ilhas, possui mais de 400 pontes e ganhou o epíteto de “Veneza do Norte”. Centenas de milhares de soldados, camponeses e prisioneiros de guerra encarregaram-se das difíceis obras, que tiveram lugar em meio a pântanos e condições climatéricas adversas. O czar trabalhava lado a lado com os seus súditos, ganhando a alcunha de “Pedro, o Grande”, por estes e muitos outros feitos, sendo que a Fortaleza de Pedro e Paulo, primeira construção da nova cidade, numa pequena ilha, foi construída a partir de desenhos do próprio monarca. O símbolo da determinação de Pedro I é o “Cavaleiro de Bronze”, que Catarina II mandou erigir na Praça do Senado, em 1782, magnífico monumento que representa o czar montado em seu corcel com o braço apontando o caminho a ocidente.
São Petersburgo passou a ser o gande centro político e cultural da Rússia e, após a morte do seu fundador (1725), todos os governantes que se seguiram trataram de dotar a capital do império de edifícios e monumentos esplendorosos. No reinado de Catarina, a Grande (1762-1796), a cidade tornou-se um dos maiores centros de cultura da Europa, sendo que foi, por esta altura, que viveu o acadêmico Mikhail Lomonôssov, o primeiro naturalista russo de renome mundial. Foi também durante este período, denominado “idade das luzes”, que em São Petersburgo foi criada a primeira escola nacional de dança, que deu início à tradição russa no balê. Na corte russa do século XVIII, a língua que se falava era o francês e, nos locais públicos, vedava-se o acesso a quem não utilizasse roupa “ocidental”.
Em 1764, a czarina fundou no Palácio de Inverno o museu Hermitage, que começou como uma coleção privada de obras de arte e hoje é o maior museu do mundo, com 3 milhões de peças em exposição, distribuídos por mais 400 salas em cinco palacetes, apenas um terço do espólio da casa, que guarda outros seis milhões de peças na despensa. Como despojos da segunda guerra, o Hermitage tem uma coleção de obras-primas que compreendem 24 pinturas de Rembrandt, uma Nossa Senhora com o pequeno Jesus de Leonardo da Vinci e quadros de Rafael, Rubens, Ticiano, Van Dyck, Veronese, Velasquez, impressionistas, pintores do século XX.
O maior poeta da Rússia, Aleksandr Pushkin (1799-1837), retrata em “Evgueni Oneguin”, o primeiro romance russo em verso, a vida de São Petersburgo no início do século XIX. Na antiga capital, nasceram ainda o renomado escritor Vladimir Nabokov, autor de Lolita, e o poeta Iossif Brodski, laureado com o prêmio Nobel. Mais recentemente, nos anos 80, o líder do então clandestino grupo musical Aquarium, Bóris Grebenshikov, era mitificado pelos fans soviéticos, tendo sido todo rabiscado o prédio em que vivia, por dentro e por fora, escada acima, num culto semelhante ao dedicado ao apartamento de Boris Pasternak*, em Moscou.
Entre os grandes compositores eruditos que viveram São Petersburgo nos séculos XIX e XX, estão Piotr Tchaikovski, Igor Stravinski, Serguei Prokofiev, Dmitri Chostakovitch, entre outros. A orquestra sinfônica de Leningrado não perdeu a galhardia nem quando a cidade foi bombardeada na segunda guerra mundial, apresentando-se regularmente, mesmo que desfalcada pelas bombas alemãs. Durante a guerra, Chostakovitch compôs uma sinfonia - XXXX -, que foi interpretada pela orquestra com a regência do próprio compositor, num intervalo entre os bombardeamentos.
O metrô de São Petersburgo é uma verdadeira obra-prima da engenharia, tendo sido construído por debaixo do leito das centenas de canais de cruzam a cidade, o que dá uma sensação de se estar viajando ao centro da terra. As escadas-rolantes adentram mais de 50 metros de profundidade e, lá embaixo, por medida de precaução em caso de algum vazamento de água, pesadas portas de ferro separam a linha de trem da plataforma de passageiros, com estas a abrirem-se somente à chegada da carruagem. A exemplo do metrô de Moscou, o de São Petersburgo é extremamente luxuoso, com estações inteiras construídas com mármores de todas as cores e muitas estátuas de bronze.
Até a revolução de 1917, São Petersburgo foi sempre a cidade mais importante do reino, deixando de ser a capital quando os comunistas transferiram o centro do poder para dentro das muralhas do Kremlin, em Moscou. Em fevereiro daquele ano, a cidade, que os russos sempre chamaram carinhosamente de “Peter”, presenciou a queda do czarismo, com a revolução burguesa, e, passados apenas oito meses, viu o cruzador Aurora dar o sinal para os bolcheviques tomarem o Palácio de Inverno. Nos anos negros de Stálin, na década de 30, a propósito do assassinato de Kirov*, dezenas de milhares de habitantes de São Petersburgo foram deportados para o arquipélago de Gulag ou para a imensidão da Sibéria*.
Quem for um dia a São Petersburgo, não deve deixar de visitar a Catedral de Santo Isaac que, com mais de cem metros de altura, pode ser vista de qualquer lado da cidade. Com paredes de mármore, foi o único edifício que foi poupado pelas bombas de Hitler, que ali queria instalar o seu quartel-general durante a 2ª guerra mas teve a sua pretensão frustrada. Durante 900 dias, a cidade resistiu ao cerco das tropas da Alemanha nazista, num dos capítulos mais heróicos do conflito. Mais de cem mil bombas foram despejadas sobre a cidade, que perdeu mais de um milhão de seus habitantes mas não se deixou conquistar. Visita obrigatória é também a estação de trens Finlândia*, onde Lênin desembarcou para fazer a revolução, proveniente da Helsinque.

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