Saturday, November 05, 2005

A festa da revolução

A Revolução de Outubro, afinal, comemorava-se a 7 de novembro. Isto porque, quando se deu a revolução em 1917, a Rússia ainda se guiava pelo calendário antigo, o juliano, instituído por Júlio César (100-44 a.C.), que tentou colocar alguma ordem na confusão sobre a contagem do tempo que vigorava na altura. O imperador romano foi quem instituiu o ano de doze meses, com a duração de 365 dias e seis horas, mas o cálculo feito pelos melhores astrônomos da época estava errado, pois o ano solar é de 365 dias, cinco horas, 48 minutos e 46 segundos. Em 1582, o papa Gregório XII corrige o calendário juliano, de modo a calcular corretamente a data da Páscoa, e empresta o nome ao novo calendário, o gregoriano. A maioria dos países adota o novo sistema mas a Rússia se mantém fiel ao antigo. Assim é que, quando se dá a revolução de 1917, os russos tinham um atraso de 13 dias em relação ao calendário ocidental. Até a queda do muro de Berlin, as comemorações eram assinaladas em 7 de novembro, data que correspondia ao 25 de outubro pelo anterior calendário. Por isso é que, pela historiografia soviética, era chamada de Revolução de Outubro.
No dia 7 de novembro, quando as temperaturas já se aproximavam do zero grau centígrado, Zau, Marcos e eu fomos ao centro de Moscou, juntamente com mais alguns brasileiros da Lumumba. O trânsito havia sido encerrado nas ruas adjacentes ao Kremlin, coração do estado soviético, e milhares de pessoas esperavam a hora dos fogos de artifício, uma tradição que remontava aos tempos imperiais. A festa oficial tinha sido à tarde, com o Exército Vermelho e os mísseis a desfilar na Praça Vermelha, mas esta só podia ser vista pela televisão, pois os lugares na praça eram reservados a representantes dos sindicatos de trabalhadores de toda a União Soviética e demais instituições. Os chefes de estado convidados ocupavam lugar na tribuna de honra, que era o cimo do mausoléu de Lênin, ao lado dos dirigentes soviéticos. Para as massas, estava reservado o festival de fogos de artifício, que se repetia nos demais feriados ao longo do ano. Após o desmembramento da União Soviética, a data da revolução russa de 1917 deixou de ser assinalada oficialmente pelos países que então se formaram, a não ser alguns poucos saudosistas em idade avançada que teimam em sair à rua com bandeiras vermelhas.


Os dias que abalaram o mundo

A revolução russa de 1917 foi um dos fatos mais importantes da história contemporânea e viria a marcar profundamente o século XX. Trabalhadores, intelectuais e artistas de todo o planeta saudaram a nova nação comunista nos seus primeiros anos de existência como um sopro de renovação num mundo velho que havia acabado de sair da 1ª Guerra Mundial*. Novos ideais de justiça social adquiriam grande projeção, entusiasmando as populações dos países ocidentais, que vislumbravam outros horizontes com o caminho aberto pelo primeiro governo de operários, camponeses e soldados do mundo. No olho do furacão, Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin, o homem que iria guiar os milhões de deserdados do império russo na tomada do poder. Para chegar lá, acreditou sempre em suas idéias e não desviou um milímetro do rumo traçado pacientemente nos anos de exílio, transformando em poucos meses o seu pequeno partido na vanguarda da revolução.
Como todo mundo deve saber, uma revolução se dá quando uma classe social chega ao poder, usurpando a propriedade dos meios de produção e controlando a máquina do estado. Na história contemporânea, poucas foram as revoluções e muitos os golpes palacianos que, de revolucionários, só tiveram mesmo o nome. O golpe dos militares brasileiros em 1964 levou o nome de Revolução de Março sem o sê-lo. No Brasil, só houve uma revolução, a Revolução de 1930, quando foram derrubadas as oligarquias da República Velha. Na ocasião, os grandes latinfudiários perderam o controle do país para a crescente burguesia brasileira, num processo que se convencionou chamar de “revolução burguesa”. As revoluções também começam por golpes, mas a manutenção ou não das instituições vigentes é que vai definir se houve ou não uma revolução. No caso soviético, a Rússia passou por duas revoluções naquele ano de 1917. Em fevereiro, quando o czar abdica, empurrado pela revolta popular, e, passados poucos meses, em outubro, quando os bolcheviques chegam ao poder.
Quando o czarismo é derrubado, a situação da Rússia era catastrófica. Com três anos de guerra, a fome e as epidemias alastravam-se pelo país. A desorganização era igual na frente de guerra, com deserções em massa e os soldados não podendo combater, vencidos pelo frio e pela falta de alimentos. Para conter o crescente descontentamento, a repressão aumentava por todo o país, com o czar sendo influenciado por Rasputin, o sinistro camponês que praticamente controlava as decisões do governo. O isolamento cada vez maior do czar Nicolau II, com as suas tropas a passarem para o lado do inimigo, leva a que uma aliança entre os camponeses ricos e democratas promovam a insurreição que derruba o trono dos Romanov em 27 de fevereiro (8 de março pelo atual calendário). Foi decretada a liberdade de imprensa e de associação partidária e abolida a pena de morte para os crimes políticos. Quando Nicolau II é deposto, os bolcheviques eram uma pequena seita política* que iria rapidamente ganhar a confiança do povo russo e mudar o rumo dos acontecimentos no decorrer de poucos meses.


Glossário da revolução russa

Para entender a revolução russa, é primeiro necessário conhecer o significado das múltiplas organizações russas que compunham o espectro político do país em 1917. Quem bem descreveu o emaranhado de siglas, partidos e comitês operários foi o jornalista John Reed, em cujo relato me baseei para escrever as seguintes linhas. Convém salientar que, como escreve Reed, que presenciou os dias da revolução, a população russa, mau grado o atraso do país em relação à Europa Ocidental, era bastante politizada, participando ativamente nas organizações populares, consumindo com voracidade o que era publicado pelas dezenas de jornais diários existentes, representantes dos mais variados grupos políticos, que obtinham tiragens diárias de milhões de exemplares. Em todas as cidades, na maior parte das vilas e na frente de combate, toda e qualquer facção política tinha o seu jornal. Milhares de panfletos inundavam diariamente as fábricas, as ruas e as tendas de campanha. Os russos estavam aprendendo a ler e devoravam publicações sobre história, política, economia, as obras dos grandes escritores russos. Reed conta em seu livro que, quando visitou o 12º exército, na frente perto de Riga, onde soldados descalços adoeciam na lama das trincheiras, a primeira que coisa que lhe perguntaram é se tinha trazido “alguma coisa para ler”. Este processo de conscientização política das populações na Rússia vinha crescendo desde 1905, quando Nicolau II mandou disparar contra uma manifestação pacífica de camponeses, originando a Revolução Russa de 1905, o que propiciou o surgimento de um novo tipo de organização independente, formada por representantes das classes trabalhadoras, na cidade e no campo, os “sovietes”.
Durante séculos, desde Ivan IV, a pirâmide social na Rússia era composta por três classes: os boiardos, os kulaks e os mujiques. No topo, estava o czar, que dividia a administração do território com os boiardos, que eram os aristocratas russos. As terras dos boiardos eram cultivadas pelos mujiques, os camponeses, que, até o ano de 1861, trabalharam sob o regime de servidão. No campo, havia também uma pequena burguesia agrária, os kulaks, os camponeses ricos, donos de pequenas extensões de terra. Estes três grupos sociais mantiveram sempre um ódio ancestral recíproco, resultado de uma tensão social constante em virtude da miséria da imensa maioria da população. Nas cidades, um operariado crescente ganhava consciência política num capitalismo primário e selvagem, convivendo com outros setores da pequena burguesia urbana.
Entre a infinidade de organizações que existiam, mencionarei as que tiveram um papel mais proeminente no curso dos acontecimentos de 1917:

1) Cadetes: os constitucionalistas-revolucionários, (das iniciais K e D, em que John Reed translitera o nome em russo para uma transcrição fonética aproximada). No tempo do czar, era o partido da reforma política, constituído por liberais da burguesia industrial, equivalente ao Partido Progressista da América, formado por Theodore Roosevelt em 1912.
2) Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR): eram os socialistas-marxistas. Num congresso do partido, em 1903, dividiu-se em duas facções, a maioria (bolshinstvô) e a minoria (menshinstvô), originando os nomes “bolchevique” (membro da maioria) e “menchevique”, membro da minoria. Cada ala formou um partido, colocando ambas o mesmo nome de PSODR. Apesar da nomenclatura, desde a Revolução de 1905 os bolcheviques eram a minoria enquanto os mencheviques estavam em posição maioritária nos sovietes de operários e soldados.
3) Mencheviques: era composto por intelectuais que acreditavam na construção do socialismo pela via política. Consideravam que a Rússia não reunia as condições para uma revolução deste gênero pois necessitava antes percorrer outras etapas, construindo um capitalismo democrático.
4) Bolcheviques: inertes até a chegada de Lênin do exílio, mudam o nome para Partido Comunista e pregam a insurreição imediata, defendendo a entrega do poder aos sovietes e a extinção da propriedade privada e dos latifúndios. A sua doutrina foi de encontro aos anseios não só do proletariado urbano e dos soldados cansados de guerra, mas também de parte considerável dos camponeses pobres.
5) Partido Socialista Revolucionário: os eseristas (SR’s), das iniciais de seu nome em russo. Começou como uma organização armada camponesa, que defendia a abolição da propriedade privada na terra, mas, após a revolução de fevereiro de 1917, dividiu-se em eseristas de direita e de esquerda, com os primeiros a representar os camponeses ricos, os intelectuais e populações dos distritos rurais longínquos. Os eseristas de esquerda partilhavam a mesma cartilha bolchevique, defendendo a expropriação sem indenizações dos grandes latifúndios, e chegaram a ocupar cargos no governo soviético, nomeadamente, na pasta da agricultura.
6) Soviete: em russo, a palavra significa “conselho”, associada organizações populares de trabalhadores, soladados e camponeses desde a revolução de 1905. A maior parte dos sovietes de operários e soldados aglutiram-se após a revolução de fevereiro de 1917, sendo que os soviete dos camponeses juntou-se aos outros dois após a tomada do poder pelos bolcheviques. O orgão que aglutinava os sovietes urbanos era o TsIK, o Comitê Executivo Central de toda a Rússia dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados.
7) Duma: significa qualquer coisa como “organismo deliberativo”. A Duma Imperial ainda funcionou de um modo democrático após o fim do czarismo mas desapareceu em outubro de 1917.
8) Comitês do exército: foram formados por soldados na frente de combate para diluir a influências dos oficiais do antigo regime após a revolução de fevereiro. Devido ao colapso administrativo do exército, em consequência da guerra mal conduzida, em muitos casos tiveram que assumir o próprio comando das tropas.
9) Guardas Vermelhos: operários armados, formados pela primeira vez na Revolução de 1905 e que reapareceram em fevereiro de 1917, quando foi necessária uma força para manter a ordem nas cidades. Em todas as crises da revolução, os guardas vermelhos foram chamados a intervir, sem qualquer treino ou disciplina, mas “cheios de fervor revolucionário” (Reed dixit).
10) Guardas brancos: voluntários da burguesia que surgiram nos dias que antecederam a Revolução de Outubro, para tentar impedir os bolcheviques de abolirem a propriedade privada.
Com a revolução bolchevique, foram extintas todas as organizações políticas, sendo criado o Conselho dos Comissários do Povo, o único organismo que poderia existir durante o período que criaria as bases para a construção do comunismo, a “ditadura do proletariado”, e que vigoraria até o completo desaparecimento do estado.





Os homens e suas idéias mirabolantes

Segundo alguns historiadores, o socialismo terá surgido durante a revolução francesa, como uma das muitas correntes de pensamento daquele período, mas foi com Karl Marx e Frederico Engels que ganhou forma e conteúdo com a publicação do Manifesto Comunista em 1848. Nos anos seguintes, os dois pensadores alemães iriam produzir o maior estudo econômico e político da civilização européia até então. Ao contrário dos socialistas da altura, os chamados “socialistas utópicos”, que imaginavam uma sociedade perfeita, Marx e Engles traçaram um caminho para a transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista, criando uma nova linha de pensamento que se designou chamar de “socialismo científico”. Em obras como O Capital e o Materialismo Dialético, Karl Marx elabora a mais completa análise do processo civilizatório, demonstrando a inevitabilidade do comunismo com base na teoria da “luta de classes”.
A teoria marxista diz que a luta de classes é o motor que move a história do homem desde o seu princípio. O constante atrito social entre senhores e escravos, no esclavagismo, entre nobres e servos, no feudalismo, entre burgueses e operários, no capitalismo, alavancou a construção de uma sociedade que, numa visão dialética do processo histórico, caminharia no sentido da abolição do sistema de classes, o comunismo. As mudanças seriam impulsionadas pelas organizações de classe e, assim, como a burguesia depôs a nobreza, os proletários organizados iriam derrubar os capitalistas burgueses. O socialismo seria uma etapa intermediária na construção do comunismo, em que elementos do anterior sistema conviveriam com novas estruturas, num período em que a “ditadura do proletariado” gerenciaria o estado, para se defender da contra-revolução burguesa, até a sua extinção.
A revolução proletária seria, pois, inevitável, mas, como acreditava Marx, ela aconteceria num país em que o capitalismo estivesse altamente desenvolvido, “quando as contradições da sociedade se agudizasem ao máximo”, o que se pressupõe que teria que haver um longo período de evolução capitalista e que ela não poderia acontecer em países atrasados e agrícolas. Esta passagem do capitalismo ao comunismo, através do socialismo, seria financiada pela “mais valia” da produção, o lucro capitalista, que seria agora redirecionado pelo estado para a construção da nova sociedade. Por essa ótica, a Rússia de 1917, um país agrário com um pequeno proletariado urbano, não reuniria as condições para o socialismo enquanto não tivesse a sua revolução burguesa. É aí que aparece Vladimir Lênin, que traz novos contributos no plano teórico-prático da revolução socialista, definindo as perspectivas da ação revolucionária durante a fase superior do capitalismo, o imperialismo. Ao se constatar uma dinâmica reformista nos países mais industrializados, o foco revolucionário se deslocaria para os países mais atrasados. Para se chegar lá, era necessário um partido político com disciplina férrea, formado por militantes profissionais, que fosse a “vanguarda da revolução” e conduzisse os operários ao poder. Lênin também acreditava que a guerra provocaria revoluções proletárias nos países europeus, como a Alemanha, e que uma onda socialista varreria o continente. A não concretização dessa expectativa, com o ascensão do nazi-fascimo, deu espaço para que Stálin formulasse a teoria do “socialismo num só país” e instaurasse o seu regime de terror.


O comício da estação Finlândia

Após a queda do czarismo, a Rússia era governada por um governo de coalizão provisório formado pelos cadetes, pelos socialistas revolucionários (os eseristas) e pelos mencheviques. Os sovietes de operários e soldados e o dos camponeses de toda a Rússia tinham avalizado este governo até a realização de uma assemblea constituinte, marcada para dezembro. Em abril, Lênin abandona o exílio na Suíça e é recebido em apoteose pela população na estação Finlândia, em São Petersburgo*. À multidão, lançou o slogan que iria mudar o curso dos acontecimentos e ser adotado como lema de um povo: “Todo poder aos sovietes*!”. Mas, no seio do partido bolchevique, a questão não foi assim tão pacífica. Os camaradas que tinham tocado o barco interno da organização durante o exílio dos camaradas que agora chegavam com a Revolução de Fevereiro não gostaram muito de serem ultrapassados nas suas convicções. Stálin e Kámenev, burocratas que se acostumaram a com o posto de chefia na ausência do cérebro do partido, mostraram o seu desacordo, argumentando que os camaradas que estavam de regresso estavam a cometer um erro de análise conjuntural. Mas Lênin, que tinha escrito a cartilha do partido, virou o jogo no comitê central, lembrando-lhe as teses principais da revolução: abolição da propriedade privada, a nacionalização da terra e todo poder aos sovietes.
Em suas Teses de Abril, Lênin traça o caminho até a revolução com base na sua análise da conjuntura internacional. Em primeiro lugar, considera que Rússia já tinha dado o primeiro passo com a revolução burguesa e que faltava agora dar o segundo, entregando o poder aos operários e camponeses. O novo regime seria não uma república parlamentar mas sim uma república soviética. Lênin acredita que, apesar do seu partido ser minoritário naquele momento, conseguirá, com a miltância persistente, congregar a maioria e assim legitimizar a tomada do poder. A seguir, qualifica a guerra como uma “guerra de rapina”, entre nações imperialistas, contrária aos interesses do proletariado, que só devem apoiar uma guerra que deponha a burguesia, advogando a paz imediata. Por fim, o Lênin estabelece um amplo plano de nacionalizações dos meios de produção e distribuição, de toda a terra e do sistema bancário, que seriam controlados pelos sovietes.
Conta-se que Lênin, no dia a seguir a chegada do exílio, reuniu-se com o comitê central do partido pela primeira vez e enfrentou a resistência dos seus camaradas. O futuro primeiro chefe de estado soviético ouviu o que os seus pares tinham a dizer e, quando começou a falar, sempre de olhos fechados, não desviou uma linha do pensamento erigido ao longo de tantos anos de exílio. Quando terminou a sua intervenção, os demais perceberam que os cegos, até aquele momento, tinham sido eles, que não tinham descortinado o caminho da revolução.
Apesar das teorias de Lênin terem se concretizado, Stálin nunca digeriu muito bem o fato de os membros mais experientes do partido serem membros da intelectualidade. Até Trotski, que aderiu ao partido nos dias que antecederam a revolução, tinha maior influência que o próprio Stálin. O que os separava, ao fim e ao cabo, eram as suas origens sociais, pois tanto Lênin como Trótski eram filhos da pequena burguesia, enquanto Stálin era filho de operários. Estas diferenças acirraram-se após a morte prematura do pai da revolução, quando a velha guarda do partido começou a utilizar métodos pouco democráticos contra os intelectuais. Em entrevista a um jornalista alemão, Ludwig XXX, anos mais tarde, Stálin menosprezou a importância do exílio na formação revolucionária, argumentando que não era preciso viajar ao estrangeiro para se adquirir conhecimentos científicos sobre qualquer coisa. Stálin saiu poucas vezes da Rússia, sempre em deslocações rápidas, sendo que numas destas ocasiões jogou xadrez com Lênin. No entanto, como notou o jornalista, manifestava um profundo desconhecimento dos valores da cultura europeia, mesmo sendo um homem poderoso, que manteve pouco contato ao longo de sua vida com pessoas que tenham passado por um banco de universidade.


A luta continua

No verão de 1917, a situação na Rússia piorava de dia para dia. A desorganização generalizada no abastecimento das cidades, causada pela guerra, que tirava os lavradores do campo para alinhá-los nos campos de batalha, era aproveitada pelos especuladores, que açambarcavam víveres e combustível e vendiam em segredo ao exterior. As fábricas fechavam, as linhas férreas estavam quase paralisadas, os roubos e os assaltos proliferavam e a população, na sua maioria, mulheres com os filhos ao colo, tinha que suportar horas na fila, com as suas senhas de racionamento, para conseguir a dose diária de pão, leite, açúcar e tabaco, que era de uma libra (cerca de 500g), mas que foi diminuindo até chegar aos 125g nos dias anteriores ao putch bolchevique. Os agentes da antiga polícia política czarista ainda se mantinham na ativa, juntamente com toda espécie de organizações clandestinas, financiados por industriais e grandes latinfudiários, conjurando planos secretos deter o avanço das forças populares. A política do governo provisório constava de reformas ineficazes e do aumento das medidas repressivas, com a proibição dos jornais revolucionários e o envio dos cossacos para conter os protestos populares nas províncias. A balança da Revolução de Fevereiro, que colocara em dois pratos opostos os sovietes e o governo provisório, o povo e a classe média, estava começando a pender para um dos lados.
Com a sua política de condenação à guerra, o grande problema russo que o governo provisório não havia resolvido, e de reivindicação do poder aos representantes diretos dos trabalhadores, soldados e camponeses, o partido de Lênin atraía milhões de pessoas para o seu discurso. Em junho, toma posse o governo provisório de Aleksandr Kerenski, um eserista que havia sido ministro da Guerra, ordenando uma ofensiva no campo de batalha. Com o falhanço militar russo em 20 de julho, os alemães invadem a Rússia e, em Petrogrado, estala a revolta popular, um levantamento desorganizado dos operários, que ocuparam o palácio de Táurida, antiga residência do czar e onde estava instalado o governo provisório. Com o falhanço da investida, Kerenski, convertido em primeiro-ministro, inicia uma caça aos bolcheviques, que apoiaram o movimento, enviando centenas de militantes para a prisão, entre eles Lev Trotski, que havia aderido à política de Lênin*. Este, por seu turno, consegue escapar, escondido por Stálin.
Em agosto, o sexto congresso do partido bolchevique realiza-se na clandestinidade e confirma as Teses de Abril de Lênin como linha programática. No final do mês, a cidade de Riga cai em mãos dos alemães e Kerenski demite o general Kornilov, que, por seu turno, decide avançar sobre Petrogrado, numa tentativa de golpe militar patrocinada por ingleses e franceses, mas a sua investida é travada pela população armada da cidade, com os bolcheviques na primeira fila da resistência. O general golpista é detido pelos comitês de soldados, ministros e generais do governo são demitidos e o gabinete de Kerenski cai. Os bolcheviques, que são libertados das cadeias na sequência do golpe falhado, são os primeiros a apoiar Aleksandr Kerenski na formação de um novo governo. A estratégia do partido de Lênin era simples: antes um governo provisório do que o regresso da ditadura. Com esta atitude, cresce a influência dos bolcheviques, que ganham as eleições municipais em todo país no início de setembro, ocupando a maioria dos postos nos sovietes locais, fábricas e comitês de soldados. Lev Trotski é eleito o representante máximo do soviete de Petrogrado.


O cerco aperta-se

No início do mês de setembro, a realização de um congresso geral dos sovietes de toda a Rússia estava na ordem do dia, que o governo provisório tentava a todo custo impedir. Os bolcheviques haviam ganho a maioria nos sovietes de Petrogrado, Moscou, Odessa e Kiev, e advogavam que essas organizações tomassem o poder, decretassem a paz imediata e entregassem o controle da industria aos operários e as terras, aos camponeses. Apesar da crescente agitação popular, a vida na Rússia prosseguia como se não se estivesse à beira de uma revolução, com as senhoras da pequena burguesia a tomar chá todas as tardes, com os seus serões de poesia, e com os teatros cheios para ver as novas peças de bailado e os salões dos hotéis repletos de jovens oficiais, que galanteavam jovens prendadas, que continuavam com as suas classes de francês, todos desejando o regresso do czar ou, ainda que os alemães invadissem a Rússia e resolvessem o problemas dos criados, que agora se haviam rebelado. Os cassinos continuavam abertos até o amanhecer, com apostas que chegavam aos milhares de rublos, e os cafés eram frequentados por prostitutas, que vestiam casacos de pele e ostentavam jóias caras. Até o Exército da Salvação, uma novidade na Rússia daqueles dias, continuava a ocupar as ruas com a sua bandinha, convidando os russos para os seus encontros.
O Instituto Smólni, às margens do rio Neva, era o quartel-general do soviete de toda a Rússia e também do soviete de Petrogrado. Construído no tempo do império, era uma escola de freiras para as filhas da nobreza russa e tinha sido tomado pelas organizações revolucionárias. Os sovietes, os comitês de fábrica, os sindicatos haviam ocupado grandes parte das salas do grande edifício, num corrupio de soldados e operários dia e noite, conspirando a revolução, dormindo às centenas, espalhados no chão, por toda a parte. Um refeitório no andar térreo, organizado pelos sovietes, com grupos de voluntários, homens e mulheres, a preparar sopas de couve com carne, em grandes caldeirões, juntamente com o pão preto, dava de comer a milhares de operários que acorriam ao edifício. No meio dessa agitação, com o governo provisório pretendendo extinguir todas as organizações independentes de operários, soldados e camponeses, o congresso dos sovietes de toda a Rússia é marcado para o dia 25 de outubro (7 de novembro pelo atual calendário).
No início de outubro, por iniciativa de Trotski, o soviete de Petrogrado cria um comitê militar revolucionário, que toma a seu comando as tropas de exército sediadas na cidade, cerca de 60 mil homens, e que constituíram desde sempre a maior força armada e organizada a serviço da revolução, que mantiveram a ordem nos dias tumultuados de fevereiro e que neutralizaram o contragolpe do general Kornilov. Com a famosa guarnição de Petrogrado sob o seu controle, os bolcheviques têm praticamente o poder em mãos mas preferem esperar pelo congresso para legitimar a sua tomada. Numa última jogada política, os eseristas de esquerda aderem aos bolcheviques e fazem um pacto de ação. Do outro lado das barricadas que se formam, o governo provisório, pressentindo o perigo, convoca a Petrogrado alguns batalhões mais leais, de guarnições afastadas, e instala a artilharia de junkers, alunos da escola militar, em frente ao Palácio de Inverno. É decretado o estado de sítio e os cossacos aparecem nas ruas da cidade. Um comitê de salvação nacional é criado pela coligação de partidos que formam o governo. A tensão aumenta mas o partido de Lênin não dá sinais de que vá iniciar uma revolta. Numa reunião alargada do comitê central do partido bolchevique, com a presença de representantes do soviete de Petrogrado, dos comitês de fábrica, dos ferroviários e dos responsáveis militares, no dia 29 de outubro, Lênin vê aprovada a sua proposta de sublevação, com 19 votos a favor, dois votos contra e duas abstenções.


Todo o poder aos sovietes

O assalto ao poder pelos bolcheviques foi planejado de forma a coincidir com a abertura dos trabalhos do congresso dos sovietes de toda a Rússia. Na madrugada do dia 7 de novembro, as centrais telefônica e telegráfica, assim como o banco do estado, foram tomados por regimentos da guarnição de Petrogrado e pelos guardas vermelhos, que já estavam de regresso à ação com o seu fervor revolucionário. Blindados com bandeiras vermelhas dos sovietes ocuparam posições no centro da cidade, isolando as imediações ao Palácio de Inverno. Em Kronstadt, 25 mil marinheiros armados mantiveram-se em estado de alerta para a defesa da revolução. O governo provisório continuou em funções, mas já não tinha qualquer influência no rumo dos acontecimentos. Kerenski permaneceu até o nascer do dia no quartel-general do estado maior, impossibilitado de agir. Os cossacos e os junkers das escolas militares de Petrogrado foram neutralizados e os batalhões provenientes do interior, barrados à entrada da cidade, com os soldados aderindo imediatamente à revolução.
Com o sol, a revolução ganhou as ruas de Petrogrado. Milhares de trabalhadores, homens e mulheres, uniram-se às tropas na espera do desenrolar dos acontecimentos. Havia ainda um vácuo no controle do poder mas não se verificaram desordens, saques ou motins de qualquer espécie. Kerenski abandonou a cidade num automóvel para se juntar aos regimentos que havia convocado, na tentativa de fazê-los marchar sobre Petrogrado. No Palácio de Inverno, reinava a confusão. Secretários e funcionários andavam para todo o lado sem saber onde estavam os seus superiores, sem notícias do mundo exterior. Alguns regimentos de jovens oficiais das escolas militares aguardavam aquartelados há dias o ataque bolchevique, mas não tinham a certeza se este viria ou não. Os Batalhões Femininos, em cujas fileiras alinhavam voluntárias da pequena burguesia, também estavam no edifício, como última trincheira da cambaleante aristrocracia russa. Durante o dia, do lado de fora do palácio, soldados aguardaram ordens do comitê militar revolucionário, garantindo que não abririam fogo, pois não disparariam contra mulheres russas.
No Instituto Smólni, os trabalhos do congresso dos sovietes de toda a Rússia começaram quando passavam das dez da noite, coincidindo com o início dos bombardeamentos ao Palácio de Inverno. O putch foi rápido e indolor. Os junkers abandonaram as espingardas nas tricheiras e debandaram, deixando o palácio a mercê dos soldados e da Guarda Vermelha. O governo provisório foi detido. No edifício da Duma Municipal, que ainda se mantinha em funções, foi criado mais um comitê de salvação nacional para organizar a resistência aos bolcheviques. Com os rebentamentos a serem ouvidos por toda a cidade, as facções menchevique e eserista abandonaram em protesto o congresso dos sovietes. Em completa maioria, os bolcheviques fizeram aprovar uma moção onde o congresso assume o poder na Rússia. Inicialmente relutantes, os eseristas de esquerda aderiram à estratégia leninista, esquecendo as diferenças. Eram quase seis da manhã quando foi anunciado que o 12º exército enviava saudações ao congresso dos sovietes e informava que um comitê militar havia tomado o comando da frente norte. Lênin e os operários de Petrogrado haviam derrubado o governo provisório, autenticado o golpe no congresso dos sovietes e agora só faltava que toda a Rússia aderisse à revolução. Poucos acreditavam que os bolcheviques se mantivesem mais de três dias no poder, a não ser Lênin e Trótski e os milhares de operários e soldados rasos que os seguiam naqules dias.



A paz a qualquer custo

No dia a seguir ao golpe bolchevique, a tranquilidade aparente regressou ao quotidiano de Petrogrado. As lojas e os restaurantes estavam abertos, os operários regressaram ao trabalho, transportados pelos bondes do serviço público, que continuaram em atividade. Para manter a ordem, os bolcheviques proibiram os saques e as desordens, prometendo a pena de morte para os especuladores. A duma municipal e o comitê de salvação mantiveram-se reunidos em permanência, contabilizando os apoios na resistência. Os jornais, que circulavam como habitualmente, insurgiam-se contra o golpe. Naquele seu primeiro dia de vida, o governo dos bolcheviques não começou muito bem. Os ferroviários não reconheciam os bolcheviques e os funcionários dos telégrafos e dos correios haviam se negado a colaborar. No Smólni, os bolcheviques não tinham mãos a medir com as novas incumbências, como tomar conta do governo, manter a ordem na cidade, alastrar a insurreição às províncias, preparar a defesa contra Kerenski, que estava se preparando para contra-atacar.
No Instituto Smólni, o congresso dos sovietes reunido era o próprio governo em funções. As medidas do nascente estado soviético eram aprovadas ali mesmo, no calor das discussões, com operários, soldados e camponeses participando juntamente com os bolcheviques. Os pontos de vista da cúpula bolchevique não eram partilhados por todas as facções presentes no congresso, mas Lênin sempre soube levar a sua causa a bom porto, ganhando com as suas palavras o apoio da maioria. Presente no congresso, John Reed fez a seguinte descrição do fundador do estado soviético: “Figura pequena e entroncada, de grande cabeça calva e protuberante, metida nos ombros, vestia um terno coçado em que as calças eram demasiado compridas. Nada tinha de especial para ser um ídolo das multidões, mas foi amado e venerado como poucos dirigentes na história. Estranho dirigente popular - dirigente só pelo poder do intelecto, sem brilho, sem humor, intransigente e desprendido, sem idiossincrasias pitorescas - mas com o poder de explicar idéias profundas em termos simples, aliando a sensatez a um grande arrojo intelectual”. Naquele segundo dia de trabalhos, ovacionado pelos milhares de delegados ao congresso, Vladimir Lênin apresentou à votação o 1º decreto do novo governo, o decreto da paz, que foi aprovado por unanimidade. Aos governantes dos países beligerantes, propôs uma trégua imediata, seguida de conversações formais em que a paz tinha que ser obtida qualquer custo, nem que isto significasse a entrega de território aos alemães, para satisfação das suas exigências.
Noite adentro, os bolcheviques seguiram alinhavando o tecido em que se iria coser o embrião da nova sociedade. Lênin apresentou à votação o segundo decreto da história do poder soviético, em que propunha a abolição da propriedade privada da terra, com todas as propriedades pertencentes à coroa, aos latifundiários, à igreja, incluindo o gado e as alfaias agrícolas, postos à disposição dos comitês de terra locais e sovietes camponeses. O decreto foi aprovado com apenas um voto contra e os bolcheviques passaram à fase seguinte. Eram duas e meia da madrugada quando Kamenev anunciou a constituição do poder que vigoraria até à realização da assembléia constituinte, com a criação do Conselho dos Comissários do Povo. Lênin era o presidente do conselho, Trotski, o responsável pela relações exteriores, e Stálin ficou com a pasta das nacionalidades. Os eseristas, em menor número, também estavam representados no novo governo. A constituição do conselho dos comissários do povo foi a votos, vencendo por maioria, e, a seguir, foram eleitos os novos representantes do soviete geral de toda a Rússia, onde os bolcheviques ocuparam a maioria dos assentos.
Apesar do abandono dos mencheviques e dos eseristas de direita, muitas outras facções políticas permaneceram ainda no congresso, legitimando a ação bolchevique, participando na constituição do novo governo. A revolução russa tinha sido, até ali, um constante processo de discussão dos caminhos do país, e continuou a sê-lo mesmo depois da tomada do Palácio de Inverno. Recorde-se que Lênin apostou no lema “todo o poder aos sovietes” quando os bolcheviques ainda não eram a maioria e, mais tarde, num congresso maioritário, continuou a debater as estratégias da revolução, tentando sempre reunir o consenso dos muitos grupos revolucionários representados no encontro. Os decretos aprovados foram sempre objeto de acesa discussão, num clima de grande democracia. Lênin sabia que os operários e camponeses tinham que sair unidos daquele congresso porque os esperava um vendaval lá fora. O caminho era longo e instável.


O regime de partido único

Os bolcheviques haviam chegado ao poder e agora não restava outra alternativa senão defendê-lo com unhas e dentes. Desde o primeiro instante, a jovem nação foi atacada por todos os lados. Com o tratado de Brest Litovski, os russos acordaram a paz com os alemães, mas a guerra não tardou em chegar. Antigos generais czaristas, comandando tropas de voluntários da burguesia russa, invadiram o país em várias frentes, com o apoio des tropas inglesas e francesas. Foi o início da guerra civil, que durou até 1922, com a vitória do Exército Vermellho, brilhantemente liderado por Trotski. Neste período, chamado de “comunismo de guerra”, toda a produção foi confiscada pelo estado em virtude do esforço de guerra. A nível interno, as medidas drásticas não se fizeram por esperar. Seguindo o exemplo clássico de Robespierre, os bolcheviques não hesitaram em utilizar a força contra os que se puseram no caminho da revolução. Em janeiro de 1918, a assembleia constituinte, a quem deveria ter sido entregue o poder, foi dissolvida. Poucos dias depois, um terceiro congresso dos sovietes de toda a Rússia se declarou depositário único do poder e entregou o governo ao Conselho dos Comissários do Povo. O Partido Comunista passou a ser o único partido legal. Em agosto, já depois do início da guerra civil, a família real dos Romanov é fuzilada. No X congresso do partido, em 1921, foi proibida a existência de facções no seio da própria organização.


O Estádio Lênin

Quem combinava os meus encontros com a russinha Lídia pelo telefone era Valôdia, apelido de Vladimir, o primeiro russo com quem travei amizade na Lumumba. Ele vivia no quarto ao lado do meu e nos entendíamos em francês. Um dia, as aulas ainda não tinham começado, aparece com dois bilhetes para o futebol e me convida para ver a URSS enfrentar a Polônia no Estádio Lênin. Os soviéticos venceram o embate por dois a zero mas a emoção maior deu-se antes do jogo. Minutos antes do pontapé inicial, o estádio, com capacidade para cem mil pessoas, estava com a sua lotação pela metade. De repente, milhares de soldados do exército, da tropa do serviço militar obrigatório, começam a entrar por todas as portas de acesso às arquibancadas. Levei um susto e até pensei numa situação de perigo, sei lá, um qualquer ato terrorista, ou ainda um golpe de estado. Valôdia riu e me tranquilizou. Como o exército soviético era muito grande, com mais de 7 milhões de efetivos, sempre havia pessoal disponível para encher uma arquibancada. Nos cinemas, havia sempre um batalhão, a qualquer hora em qualquer uma das centenas de salas de Moscou. Após a subida de Garbatchov ao poder e a perestroika, quando o rock tomou de assalto o país, os concertos saíram do submundo para estádios repletos de soldados, que não hesitaram em aproveitar os ventos de liberdade para requebrar o corpo ao som das guitarras elétricas. Até os brasileiros do grupo Engenheiros do Hawaii tiveram o privilégio de uma platéia destas quando atuaram em Moscou em novembro de 1989 no único show em que a sala de espetáculos não foi ocupada apenas pelo brasileiros da Lumumba e seus amigos.
Em 1985, voltei ao Estádio Lênin para assistir o Brasil ser campeão do mundo em (...), vencendo a (....) por um a zero. Chovia a cântaros e ficamos completamente encharcados. Apesar da chuva, o grupo de brasileiros fez um berreiro que chamou a atenção do estádio inteiro. Imaginem se tivessem deixado passar os instrumentos de percussão, que a polícia confiscou na entrada. Marcos, Zau e eu não fomos com os brasileiros ao estádio mas antes com Misha e Gênia (Michail e Evgueni, respectivamente), os nossos primeiros amigos moscovitas, que aproveitaram que estavam conosco para berrar como se fossem estrangeiros, já que aos soviéticos não eram permitidas tais manifestações nas provas esportivas. Duas semanas mais tarde, decorreu no estádio a abertura do festival da juventude dos países socialistas, que se realizava periodicamente e era uma montra da arte, cultura e desporto dos países que giravam na órbita de Moscou. Eu vivia a quatro quilómetros do estádio e assistia pela televisão. Onde eu morava, a chuva continuava mas no estádio fazia sol. Os soviéticos, nos dias de festa, costumavam limpar o céu onde iriam decorrer as solenidades oficiais, bombardeando um produto químico nas nuvens com a ajuda de aviões da força aérea.

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