Friday, November 04, 2005

CRUZAR A CORTINA DE FERRO

Passar pelos postos de fronteira dos países socialistas era uma experiência marcante e inesquecível. E também muito cansativa, pois se esperava muito tempo na fila. Tanto fazia se estávamos prestes a ingressar na antiga RDA (ex-Alemanha comunista), em Cuba ou na ex-URSS. O procedimento era o mesmo. Os agentes alfandegários eram treinados para descobrir eventuais espiões e, quando entregávamos o passaporte, começava o ritual. O sujeito olhava para a nossa fotografia e para o nosso rosto. Perscrutava todos os detalhes da fisionomia do candidato a entrar no país e comparava com a foto do passaporte. Em média, ficava-se ali cerca de cinco minutos, à espera do carimbo final. Este compasso de espera era causador de grande nervosismo, pois não se sabia o que iria acontecer caso não gostassem da nossa cara.
Se algo de suspeito fosse encontrado na nossa bagagem, um agente da KGB era chamado para dar uma olhada no material. Havia uma lista de livros, autores e compositores de música proibidos na ex-URSS, uma espécie de índex do Vaticano mas de contornos nada religiosos. Da primeira vez que cheguei a Moscou, não fui revistado e pude entrar com cerca de 80 discos em vinil. Três anos mais tarde, quando regressava das férias no Brasil, detetaram os discos que levava comigo e o operacional da secreta soviética foi chamado. Extremamente simpático, o polícia fazia comentários quando encontrava algum disco seu conhecido, tipo “eh, este é mesmo bom”. Fiquei com a impressão de que o agente da KGB quis deixar claro que, apesar de estar a cumprir ordens, era um homem com sensibilidade e profundo conhecedor da cultura pop ocidental.

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