Olga, uma heróina brasileira
Nisto dos amores trágicos, a vida de Olga Benário Prestes, uma ex-militante da juventude comunista alemã, é das mais incríveis histórias que há notícia. Judia, alta e bonita, Olga foi uma revolucionária de verdade, tanto na teoria como na prática. Aos 17 anos, libertou o seu namorado, um professor que estava sendo julgado por subversão, apontando uma pistola à cabeça do juiz em pleno tribunal. Exilada em Moscou, foi encarregue pelo Komintern de Stálin de garantir a segurança do então famoso Luís Carlos Prestes, um herói internacional da esquerda, na sua trajetória rumo à conquista do poder no Brasil através de uma revolução armada.
Prestes e Olga assumem a identidade de Antônio e Maria Vilar e passam dois anos carimbando os passaportes falsos nos hotéis mais caros do mundo, viajando em cruzeiros, como se fosse um casal de milionários em lua-de-mel e assim despistar a polícia de temido Filinto Muller* ao entrar no Brasil. Na bagagem, levavam cem mil dólares, o famoso “ouro de Moscou”, para levar a cabo o seu intento. Ao mesmo tempo, vários casais de intelectuais europeus, revolucionários em seus países, partem em direção ao Brasil, todos clandestinos, para montar no Brasil um gabinete revolucionário. Haviam convencido Stálin de que o gigante sul-americano reunia condições semelhantes à da Rússia czarista e que só bastava acender o estopim para uma revolução de cariz semelhante.
A vida imita a arte quando Prestes e Olga se apaixonam de verdade no cumprimento da sua missão. No navio que os levou de Paris a Nova Iorque, a cama pequena do camarote propicia o envolvimento de dois heróis do movimento revolucionário mundial que nutrem uma grande afinidade mútua de idéias e ideais. O que ninguém sabia é que aquele capitão do exército brasileiro, aos 37 anos de idade, eternizado como o Cavaleiro da Esperança pelo romancista Jorge Amado, mundialmente famoso pela sua Coluna Prestes, chegava virgem ao leito conjugal. A revelação seria feita no sensacional livro do jornalista Fernando Moraes*, Olga, que João Prestes, o primogênito do segundo casamento, me deu para ler em Moscou, dizendo que era muito bom e que o que estava lá escrito era realmente tudo verdade. Ao ler ao livro, tive a impressão de que a verdade que o João Prestes falara talvez tivesse a ver com a sentença de morte proferida por um “tribunal vermelho”, de que seu pai fizera parte, a uma militante do partido que acabou por ser enforcada com a corda do varal.
O livro de Fernando Moraes é um verdadeiro épico, em que a grandeza dos personagens tem como cenário o maior conflito armado do século XX, com uma aura de romantismo que nem o célebre filme Casablanca conseguiu sequer chegar perto. O jornalista, que viria a se superar ainda com o “Chatô, o Rei do Brasil”*, narra em Olga a história de uma heroína moderna e pré-feminista ao mesmo tempo que faz um retrato fiel da força e organização do partido comunista alemão no início da década de 30 do século passado, da estrutura da Internacional Socialista da era stalinista e da malograda tentativa de se implantar uma república comunista no Brasil.
Olga é um livro emocionante e a protagonista, uma mulher incrível. Quando a polícia invadiu a casa em que Luís Carlos Prestes estava escondido, após o fracasso da chamada Intentona Comunista, em 1935, com ordens de matá-lo, foi Olga quem gritou com os policiais, saindo-lhes ao caminho, dizendo que não se atirava num homem desarmado. Aquela mulher alta, bem mais alta que o próprio marido, com a sua voz forte e corajosa, intimidou os invasores e impediu talvez ali a morte do lendário capitão. Olga mostrou valentia, não desgrudando do marido e teve que ir sentada no colo dele durante o trajeto até a delegacia.
Na prisão, Olga descobre que está grávida e que Getúlio Vargas* quer entregá-la às autoridades nazistas. Com sete meses de gravidez, embarca rumo a um campo de concentração na Alemanha de Hitler, onde daria à luz a uma menina exatamente um ano depois da revolução fracassada, na madrugada de 27 de novembro de 1936. Anita Leocádia Prestes, a primeira filha do capitão, foi resgatada pela avó paterna ainda antes do fim da guerra. Em fevereiro de 1942, pouco antes de completar 34 anos, Olga Benário Prestes morre numa câmara de gás em Bernburg, uma cidadezinha situada a 100 quilômetros a sudoeste de Berlin.
A primeira mulher de Luís Carlos Prestes é uma heroína genuinamente brasileira, que se queira quer não. Anos após a sua morte, Prestes recebeu a carta que Olga escrevera na véspera da sua morte, endereçada à filha e ao marido: “Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim”.
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