Ida à sauna
A sauna é uma velha tradição russa e todos os balneários de Moscou são muito antigos, a maioria anteriores à revolução de 1917. Aquilo a que os russos chamam de bania é uma espécie de banho turco, com salas de banho construídas em madeira e o calor emanando de pedras em brasa, que vão sendo constantemente molhadas para aumentar a temperatura. Havia quem jogasse cerveja ou essência de ervas, tanto fazia, porque o objetivo de se jogar água sobre a fervura era controlar a humidade. Para os russos, ir ao bania é um momento de convívio sem distinção de classes, em que não faltam o vodka, o peixe defumado e os jornais desportivos para servir de mote à conversação. Com feixes de bétulas, batem uns nas costas dos outros para tirar as impurezas do corpo, às vezes em círculo, me fazendo lembrar os cangurus, que, por terem os braços curtos, fazem fila para coçarem as costas. Regra geral, os banias são uma coisa de homem na Rússia, com poucas saunas femininas. Havia umas poucas em Moscou em que alguns casais podiam alugar uma pequena camarata, o que permitia que algumas mulheres fossem à sauna mas em grupos, acompanhadas dos maridos. No centro de Moscou, haviam umas banias muito antigas, que eram utilizadas pela aristocracia antes da revolução, e que agora estavam à disposição de todos. Uma que frequentei anos mais tarde era muito bonita, toda em mármore, com grandes colunas gregas a rodear a imensa piscina fria, obrigatória antes de entrar na sala dos vapores. A elite soviética, porém, não frequentava estes lugares, apesar de serem vistos muitos generais em lugares destes. Quem tinha possibilidade de ter uma casa de campo, uma datcha, fazia uma sauna em casa, longe dos olhares alheios.
Estava meio engripado quando, num dia de inverno, fui ao bania pela primeira vez, sozinho, pois não havia encontrado companhia. O que nem foi preciso, pois, na fila de espera da sauna, Valôdia, um moscovita, meteu conversa comigo, dizendo que eu deveria ser da América Latina, por causa do meu cabelo comprido. Logo, formou-se um círculo e, enquanto esperávamos, fui submetido a um pequeno interrogatório pelos russos, que estavam curiosos de conhecer um estrangeiro e queriam saber coisas do outro lado da cortina de ferro. Ao entrarmos, nos deram uma toalha quase em farrapos, mil vezes usada e lavada, e nos dirigimos a balneários de duas pessoas, para deixar as roupas, cabendo-me Valôdia como parceiro, que estava gostando do papel de cicerone. Os russos são um povo muito simpático e afetuoso, com uns modos um tanto rudes, porém, sinceros. No bania, e também fora dele, os russos e os povos nórdicos em geral desfrutam de uma intimidade corporal que pode surpreender os mais desavisados. Para meu espanto, Valôdia me ensaboou as costas e depois passou-me o sabonete para que eu fizesse o mesmo com ele. Esta maneira de ser dos russos era algo que eu já notara com os meus colegas de corredor da residência da Lumumba. Às vezes, se reuniam no meu quarto e ficavam lá, aos montes, sentados na cama, conversando, uns sobre os outros. Quando o grandalhão do Sasha adoecia - e não foram poucas as vezes que ele ficou de cama, gripado e com febre - era tratado como uma criança pelos seus compatriotas, que lhe faziam chá bem quente, controlavam a medicação e a temperatura. Uma vez, entrei no quarto e estava lá um colega russo, sentado na cama e segurando a mão de Sasha, consolando-o pelo sofrimento da constipação, num vivo exemplo da solidariedade russa.
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