Friday, January 14, 2011

Neve, suor e cerveja

O carnaval que o coletivo brasileiro realizava todos os anos na Lumumba, geralmente no mês de março, era a festa mais badalada da universidade e, provavelmente, de toda a União Soviética. Para os russos, o carnaval brasileiro é sinônimo de sensualidade e lascívia, onde corpos humanos são mostrados como vieram ao mundo, algo impensável no audio-visual soviético daqueles tempos, em que a pornografia era proibida. A violência no carnaval do Brasil também não era esquecida. Todos os anos, invariavelmente, a televisão soviética anunciava o número de mortos durante os quatro dias de festa, o que sempre era motivo de conversa entre os russos. Como a política cultural soviética e, por consequência, a da universidade Patrice Lumumba, era a de respeito e cultivo das tradições dos diferentes povos, o carnaval que os estudantes brasileiros organizavam era permitido dentro desta ótica, mas limitado ao espaço do clube universitário, com um sistema de convites que fazia daquela festa uma espécie de concorridíssima celebração tropical no gélido inverno moscovita. Cada estudante do coletivo brasileiro tinha direito a cerca de 15 convites e o restante era distribuído a várias entidades oficiais, entre estas a embaixada brasileira. O carnaval da Lumumba era o que acabava por nos ligar aos brasileiros do corpo diplomático e, de alguma forma, oficializava a nossa presença na ex-URSS. Para o governo brasileiro da altura, nós éramos subversivos e colaboracionistas pró-soviéticos. Para os funcionários da embaixada e do consulado, este pormenor não fazia a menor diferença e o que eles queriam mesmo era se divertir. Eu imagino que a vida deles devia ser bem monótona, longe do Brasil, com poucos afazeres no serviço, bons rendimentos e raras opções de diversão. Por isso é que eles esperavam ansiosamente pelo carnaval e os convites que lhes eram oferecidos deviam ser algo de grande disputa interna.

O Interclub, o clube da universidade era engalanado a preceito, numa tarefa em que se envolviam os brasileiros e alguns amigos uruguaios, que não estudavam na universidade. Durante o ano letivo, os brasileiros eram constantemente assediados pelos estudantes de outros países, que sonhavam em poder ter acesso ao carnaval. No dia da festa, a polícia era chamada para fazer a segurança e eram colocados gradeamentos para controlar o acesso ao local. Parecia a entrega dos Óscares, com a multidão a aglomerar-se para ver a chegada dos convidados, devidamente caracterizados para o efeito.

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